segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Tiago Santiago fala sobre "Amor e Revolução"


O período da ditadura militar será, pela primeira vez, o pano de fundo de uma novela no Brasil. "Amor e Revolução" estreia no dia 4 de abril no SBT com a responsabilidade de tentar conquistar o público sem desagradar quem viveu a época.

Escrita por Tiago Santiago, 47, a trama conta uma história "à la Romeu e Julieta", só que nos anos de chumbo. A mocinha, estudante e engajada, vai se apaixonar por um militar, filho de um general.

Para dar veracidade à trama, pessoas que viveram "histórias fortes" no período, incluindo a presidente Dilma Rousseff, foram convidadas a falar de suas experiências em depoimentos que irão ao ar no final de cada capítulo.

Consultada, a assessoria de imprensa da Presidência afirmou que a participação "não está nos planos dela".

Uma das pessoas que você gostaria que participasse da novela é a presidente Dilma Rousseff. Já recebeu algum retorno?
Nós convidamos. A notícia que eu tive é que ela vê com simpatia o convite. Eu tenho a impressão de que ela tem uma responsabilidade muito grande como presidente e quer ver o produto antes de se comprometer definitivamente. Agora, o José Dirceu vai dar o depoimento dele e várias companheiras da Dilma que ficaram presas com ela. Espero que ela grave um depoimento até o fim da trama.

Comenta-se que há uma personagem que é inspirada na Dilma...
Isso não é verdade. Não existe nenhum personagem inspirado especificamente em uma pessoa real. Tem gente que diz que a Maria [personagem de Graziella Schmitt] é a Dilma. Não é. A Dilma não se apaixonou por um militar. Então, a Dilma é a Jandira [personagem de Lúcia Veríssimo], que gostava de um outro guerrilheiro? Sim, tem mais semelhanças com a Jandira. Agora, assim como a Dilma, várias outras mulheres seguiram esse caminho. Qualquer pessoa que tenha ido para a luta armada vai se identificar com um trecho ou com outro. Nem estudei a vida da Dilma a esse ponto. Qualquer semelhança será mera coincidência.

Muitas das pessoas que viveram no período, tanto repressores quanto reprimidos, ainda estão vivas. Você sofreu pressão de algum dos lados?
Eu tenho conhecido muitas pessoas que na época foram para a luta armada. Sinto que existe uma vontade muito grande de quem lutou de ver a coisa bem retratada. Essas pessoas não têm medo de falar. Às vezes, é difícil, quando é uma lembrança muito sofrida. Por exemplo, relembrar uma tortura. Já do outro lado, eu encontro silêncio. Existe a vontade de entrevistar essas pessoas também, mas ainda não conseguimos. De qualquer forma, o discurso dos torturadores, de quem achava que estava salvando o Brasil de uma ditadura do proletariado, também vai estar presente, como estava na época.

Você ou alguém da sua família chegou a militar contra a ditadura?
Eu sou de uma família de classe média que não gostava de viver numa ditadura. Nasci um ano antes do golpe, então eu vivi a minha infância na época dos generais. Ninguém da minha família chegou a ir para a guerrilha. Eu tenho um tio que é militar, mas que eu acredito que não teve nenhum envolvimento com a repressão. Meu irmão Gerardo, muito novo ainda, chegou a ir para a Libelu [Liberdade e Luta], que foi criada depois da queda de várias organizações que pregavam a luta armada. Eu lembro que, com 13 ou 14 anos, ele me levou para uma ou duas reuniões.

Por que você resolveu falar sobre esse período?
É um período em que houve muitas injustiças e muitas perseguições. Esse é um material de muita riqueza para a teledramaturgia. Ao mesmo tempo, a televisão tinha feito pouca coisa com o tema. Essa história já vem de quando eu era colaborador na Globo. Eu tinha apresentado o tema, não exatamente com a mesma sinopse [a Globo confirmou ter recebido a história]. Na época eu não conseguia emplacar novela. Eu sempre competia com gente que tinha feito 30 novelas, e eu não tinha feito nenhuma.

E como o tema vai aparecer na novela?
Vai ser um pano de fundo para todos os personagens. Todos os personagens são simbolicamente, de alguma forma, relacionados a essa questão. Temos desde a mocinha, que é uma estudante, líder do movimento estudantil, de uma família de comunistas, que se apaixona por um militar, um major, que é na verdade um democrata que fica contra o golpe militar, mas é também um cara que trabalha na inteligência do Exército, filho de um general da linha dura. Na trama central, a gente tem esse "Romeu e Julieta" que se passa na ditadura militar. São pessoas de famílias completamente antagônicas. Tem também o núcleo dos militares, onde vamos ter tanto os militares que ficam contra o golpe como os que ficam a favor. Tem militar até que morre defendendo a legalidade. Tem gente como o José Guerra que vai desertar para se juntar à guerrilha. Tem o núcleo dos artistas do teatro, que foi prejudicado pela ditadura no sentido de que havia muita censura. Houve espancamentos, bombas, houve confrontos com as pessoas da plateia para espantar os artistas durante o espetáculo. A gente vai ter também o núcleo dos estudantes na faculdade. Logo em 1964, foi proibida a atividade política estudantil. É simbólico que no primeiro dia do golpe houve o incêndio da União Nacional dos Estudantes. É nesse incêndio que eu situo o momento em que a Maria Paixão e o José Guerra se conhecem. Tem os guerrilheiros, as pessoas que vão para a luta armada, alguns são estudantes, outros não. Vai haver também uma advogada que vai soltar presos políticos. Tem o núcleo do jornal, da imprensa, que também foi muito censurada e teve muitos problemas na época da ditadura. Tem o pessoal do Dops [Departamento de Ordem Política e Social], com torturadores, com pessoas que atuaram brutalmente na repressão ao pessoal da esquerda principalmente no Brasil. Todos os personagens de certa forma estão ligados a esse tema. Vai ser a primeira novela que vai fundo nesse tema da ditadura, contando esse período da história do Brasil através desses personagens simbólicos. São todos ficcionais os personagens, mas são simbólicos. Assim como a Maria, houve muitos estudantes que foram para a guerrilha. O torturador é um torturador ficcional que eu estou criando, o delegado Aranha, mas ele corresponde a diversos torturadores reais que houve no Brasil.

A sua última novela original era de ação e tratava de mutantes. Como ocorreu essa mudança tão radical de temática?
Como eu tenho feito uma novela por ano desde 2004, o que eu tenho feito é diversificar o gênero para não correr o risco de me repetir. Depois de "A Escrava Isaura", que era de época, eu fiz "Prova de Amor", que era contemporânea. A seguinte foi uma novela de realismo fantástico, que foi "Mutantes". Seguindo esse raciocínio, agora era a vez de uma novela de época de novo para não correr o risco de falarem que lá vem outra novela cheia de fantasia e efeitos especiais. Estamos com quase 24 capítulos gravados e escrevendo o capítulo 33.

Por que você escolheu fazer uma adaptação na sua primeira novela no SBT?
Eu vinha exausto de 600 capítulos seguidos, corridos, de "Mutantes", divididos em três fases, mas numa estirada só, sem interrupção nenhuma entre elas. Eu estava bem no bagaço e o Silvio Santos me contratou para escrever uma novela por ano. Eu tinha que estrear uma novela em março de 2010. Eu sabia que ele tinha comprado os direitos do Vicente Sesso de "Uma Rosa com Amor", o Vicente Sesso autorizou a minha adaptação, e nós fizemos. Foi um período bom porque foi um mergulho na dramaturgia dele. Era uma comédia romântica deliciosa, leve, despretensiosa, teve uma audiência sempre crescente que alcançou os dois dígitos, então cumpriu o seu papel de ser uma primeira novela no SBT. Neste segundo momento, já tive tempo para me refazer, para pensar, para pesquisar, para poder propor essa novela original, para vir com gás, com fôlego de novo.

É mais gostoso quando a trama foi criada por você?
Foi delicioso trabalhar com o universo do Vicente Sesso, mas são realmente emoções diferentes. Ali, eu estava a serviço da dramaturgia dele, para contar a história nos dias de hoje. Agora, quando é uma história original sua você, sempre tem a responsabilidade de conduzir a história sozinho com as suas próprias pernas. Dá mais trabalho, mas tem também um prazer adicional.

Tem diferença entre fazer essa novela no SBT ou nas outras emissoras pelas quais você passou?
Sinceramente, com o Reynaldo Boury, eu me sinto como se estivesse na Globo. Temos estúdios ótimos, estou com um diretor que fez um monte de sucessos na TV Globo, um campeão de audiência, grandes atores, há muito tempo eu não tinha um elenco tão bom e eu tive uma facilidade muito grande de escalar. Estou muito afinado com o Boury. Eu sinto que eu tenho condições excelentes agora de fazer uma grande novela, como faria se estivesse em uma outra emissora. Não vejo diferença nesse sentido. Tenho condições tão boas de produzir a novela quanto se estivesse na concorrência. Talvez até melhor porque em outras emissoras talvez haja até mais interferência sobre a arte do que eu tenho sentido no SBT.

Foi noticiado que o orçamento da novela foi cortado por causa da crise no grupo Silvio Santos e que, por isso, foram cortadas gravações que ocorreriam em Cuba...
Não havia o plano de ir a Cuba. Não teve nada a ver com o [banco] Panamericano. O orçamento da novela é o mesmo, independente do que aconteceu com o banco. As pessoas criam muitas lendas. Não houve nenhum decréscimo de orçamento. Nós estamos fazendo uma novela que não precisa ir a Cuba. Alguns personagens da novela vão fazer treinamento de guerrilha lá, mas as cenas são grandes caminhadas pela mata. Eu não preciso ir a Cuba para produzir isso, eu posso fazer em um sítio no Brasil. Já era previsto dessa forma.

A novela não vai estrear pronta, como é costume no SBT, e houve uma mudança de direção na emissora. Foi um pedido seu?
É uma mudança no modo de fazer da emissora. Houve, sim, um diálogo com o Silvio Santos sobre esse assunto. Sobre a importância de a novela ser gravada ao mesmo tempo em que é exibida para poder reagir e interagir com a opinião do público, porque a gente tem a oportunidade de, se o público achar muito violenta, diminuir isso ao longo da exibição. Um casal deu muito certo, vamos aumentar. Esse tipo de coisa é muito positivo para o resultado e vamos ter essa oportunidade agora no SBT. A direção geral dessa novela é do Boury, o Del Rangel não tem nenhuma interferência sobre ela. Eles estão no mesmo nível, como diretores gerais de teledramaturgia. Hierarquicamente estão no mesmo nível. O Del cuida da novela da Íris, que não foi exibida ainda. Houve uma mudança de direção. É uma grande novidade. Estou muito feliz com os rumos que as coisas estão tomando. É muito importante ter essa fábrica de novelas em São Paulo.

A Record afirmou ter interesse em ter você de volta na emissora. Você aceitaria um convite para mudar de emissora?
A Record é um lugar aonde eu fiz a minha primeira novela como titular, fiz grandes sucessos, ajudei a montar o núcleo de teledramaturgia, ajudei a levar diretores, muitos autores, ajudei a intermediar e a propiciar essa ida deles, encontrei e garimpei talentos. Fiz todo um trabalho lá durante quase seis anos. Deixei muitos amigos. Mas eu tenho um compromisso para cumprir até 2013. Eu tenho três novelas para fazer. Além de "Amor e Revolução", tem uma novela em 2012 e outra em 2013. Esse compromisso eu vou cumprir o melhor que eu puder. Quero fazer o máximo de sucesso possível e imaginável porque é isso que vai me credenciar para qualquer discussão futura, seja com o SBT, que tem prioridade na minha renovação, é uma clausula do contrato. Se eu fizer muito sucesso, aí o Silvio Santos não vai querer me deixar sair. Vamos ver o que vai acontecer. Tem muito tempo até 2013. Vou estar fazendo 50 anos e até lá tenho tempo para analisar propostas. No momento, isso não está em discussão e eu nem poderia conversar sobre uma troca de emissora agora que eu vou estrear uma novela. Não está no momento em pauta para mim.

Já tem ideias para essas novelas que vão suceder "Amor e Revolução"?
Eu penso, mas muito à distância. Não tenho nada formatado ainda. Quando eu fizer isso, ainda tenho que ter uma aprovação do SBT. Isso também ainda nem entrou em pauta. Ainda não é o momento.

Fonte: Folha

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