quarta-feira, 6 de junho de 2012

A Globo e a nova nova Classe C


José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, criou o chamado “Padrão Globo de Qualidade” baseado na seguinte máxima: “Pobre gosta de luxo. Quem gosta de pobreza é intelectual”.

Desde que deixou o comando da TV Globo em 1998, a emissora passou a apostar em produtos e figuras mais populares, como o remake de “A Grande Família” e a contratação de Ana Maria Braga.

Na última década, a emissora passou a retratar mais e com maior veracidade as classes menos elitizadas em sua dramaturgia. Em 2005, a Globo criou sua primeira favela cenógrafica para a novela “América”. Dois anos depois, a fícticia favela da Portelinha de “Duas Caras” serviu de cenário para as cenas mais importantes do folhetim. Até Manoel Carlos fez seus chiquérrimos personagens, moradores do Leblon, cruzarem com núcleos de classes inferiores em “Viver a Vida” (2009).

Mas foi somente em 2011, com o sucesso da série “Tapas e Beijos”, que a emissora decidiu investir pesado na “nova” Classe C. A produção focada na história de duas vendedoras que moram no subúrbio e trabalham em Copacabana conquistou índices excelentes para o horário e levou os diretores do canal a apostarem nesse público ávido para se reconhecer na TV.

Afinal, quem é esse telespectador? Segundo Marcelo Boschi, professor da ESPM e especialista em Marketing e Gestão de Marcas, a Classe C é formada por cerca de 40 milhões de brasileiros que emergiram das Classes D e E nos últimos anos. “Esses consumidores têm movimetado mais de R$ 900 bilhões no mercado interno”, explicou.


Esperta, a Globo decidiu apostar todas as suas fichas nesse público e tem se dado bem. “Cheias de Charme” e “Avenida Brasil” possuem histórias centradas em gente nascida e criada na periferia, com hábitos simples e que precisam batalhar para conseguir sobreviver.

A trama das 19h é protagonizada por domésticas, retrata a vida no morro e tem como pano de fundo o sucesso de ritmos populares, como eletroforró e o tecnobrega. O autor estreante Filipe Miguez, que assina o folhetim ao lado de Izabel Oliveira, afirma que a história não foi encomendada pela emissora. “Nós entregamos a sinopse de 'Cheias de Charme' em maio do ano passado e ficamos esperando a aprovação da direção”, contou.

A intenção de Miguez era explorar a relação entre patroa e empregada. “Pesquisando, nós percebemos que não existiam muitas novelas que fossem a fundo nesse tema que sempre rende boas histórias. Sem falar que essa relação é muito significativa da nossa cultura. A novela surgiu a partir desse ponto”, explicou.

Já o autor João Emanuel Carneiro resolveu criar uma história centrada no subúrbio carioca após perceber que o núcleo rico de “A Favorita”, novela exibida em 2009, tinha pouco apelo junto ao telespectador. Assim nasceu “Avenida Brasil”. “As pessoas querem se ver na tela. Por isso eu criei o Divino. Escrevo pensando nesta nova família que está assistindo a minha novela”, assumiu.

No bairro criado por Carneiro reina o combo calça apertada, blusa com barriga de fora e acessórios coloridos onde os personagens suburbanos só falam gritando e são desprovidos de estofo cultural. A trama vem fazendo bonito na audiência. Só intelectuais têm reclamado.

Caso do jornalista Arthur Xexéo. Em sua coluna no jornal “O Globo”, ele fez um desabafo onde pedia de volta a televisão da “velha classe média”. “Sempre fui noveleiro, nunca tive vergonha disso. Assisti às novelas de Ivany Ribeiro em versão original. Mas não aguento mais tramas ambientadas na comunidade, sambão na trilha sonora, mocinha cozinheira e galã jogador de futebol”, escreveu.

O autor da Record Lauro César Muniz concorda com Xéxeo. Para ele, não há necessidade de criar uma história para uma classe inferior. “Não existe isso. 'Avenida Brasil' tem a intenção clara de falar com a classe C. Não acho que o público humilde quer se ver mais humilde na televisão. Ele quer se ver mais rico”, garantiu.

Durante a coletiva de “Máscaras” – que tem patinado no Ibope -, o escritor criticou a onda popularesca nas tramas globais e chegou a afirmar que “Fina Estampa” foi o pior trabalho escrito por Aguinaldo Silva.

O jornalista e crítico de TV Flávio Ricco não acredita que a nova safra de folhetins deixe a desejar no quesito qualidade. “No que as produções da Globo podem ter caído? Hoje, 'Amor Eterno Amor' pode não estar repetindo o sucesso das suas antecessoras no horário, mas o que dizer de 'Cheias de Charme' e 'Avenida Brasil', ou de 'Aquele Beijo' e 'Fina Estampa'. Com todo respeito ao meu amigo Lauro, acho que não tem nada a ver”, afirmou.

Ricco acredita que as emissoras devem se dirigir a um público só e abomina qualquer tipo de classificação. "Nunca houve essa preocupação por parte das emissoras. Isso é coisa de agora. É mais um discurso, porque na prática tudo vai continuar como sempre foi. Ir ao encontro do que o público, em sua maioria, quer ver, é o que deve ser feito. O resto é comício”, alertou.

Por sua vez, a TV Globo não nega que esteja de olho bem aberto com relação as preferências da Classe C. “Por um conjunto de variáveis econômicas, as classes populares vêm incrementando sua participação na sociedade e sofrendo mudanças de hábito e de comportamento sobre as quais qualquer empresa de comunicação deve estar atenta”, afirmou a Central Globo de Comunicação.

Em nota, a emissora informou ainda que procura fazer televisão para todos os públicos, todas as classes e todas as idades: “A programação da Globo é feita para a família brasileira. Como TV aberta e plural, devemos estar em sintonia com os interesses do nosso telespectador e se as classes C, D e E formam 80% do total da população do país, com características próprias, precisamos entendê-los e atendê-los com nossas produções”.


Esse conceito aplica-se também ao Departamento de Jornalismo do canal que também passou por grandes mudanças na última década. Ricco acredita que esse contato mais direto com o telespectador não é efeito de uma possível aproximação com a Classe C e, sim, obrigação de qualquer telejornal.

“Todos os informativos, das mais diversas emissoras, estão paginados como são, por exemplo, os jornais impressos. Têm a parte política, os assuntos esportivos, números da Economia, Polícia e Cultura. Estão mais completos. Se isso significa maior aproximação com alguém, com toda certeza, é com a maior parte do público”, explicou.

O jornalista Chico Pinheiro, que assumiu o lugar do sisudo Renato Machado na bancada do “Bom Dia Brasil”, faz coro ao crítico. “Eu falo para todas as classes. Isso para mim, é uma tentativa frustrada de dizer que o nosso jornal está baixando o nível”, avisou. Mais direto, impossível.

Fonte: Famosidades

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