segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Dias Gomes recebe homenagens por seus 90 anos


"Inconformista". Esse é o adjetivo que o baiano Alfredo de Freitas Dias Gomes (1922-1999), autor de "O Pagador de Promessas", "O Bem-Amado" e "Roque Santeiro" -peças que viraram novelas- usava com orgulho para falar de sua obra e de si.

"Meu teatro, como tudo que escrevo, é inconformista. Quando você se conforma, não há por que escrever mais. Se você está de acordo com tudo, não há razão para ocupar o tempo de ninguém."

A declaração dada ao programa "Roda Viva", em 1995, é uma das que estão no livro "Dias Gomes", uma compilação de depoimentos organizada por suas filhas Luana e Mayra Dias Gomes, que será lançada na próxima sexta (19/10), quando o dramaturgo completaria 90 anos.

"Montar este livro foi uma maneira que eu e minha irmã encontramos de conhecê-lo melhor", diz Mayra, filha de Dias com sua segunda mulher, a atriz Bernadeth Lyzio; ela tinha 11 anos (sua irmã Luana, 8) quando o pai morreu, em um acidente numa corrida de táxi em São Paulo.

Segundo Mayra, o autor deixou caixas lotadas de reportagens e textos, incluindo trabalhos inéditos "que provavelmente virão à tona nos próximos anos".

Criador de uma série de personagens que perduram no imaginário popular com seus trejeitos e bordões -Sinhozinho Malta e Viúva Porcina (de "Roque Santeiro"), Odorico Paraguaçu (de "O Bem-Amado"), Tucão (de "Bandeira 2") etc.-, Dias, pai da telenovela genuinamente brasileira, era primordialmente um homem de teatro.

Começou a escrever aos 15 anos e foi encenado pela primeira vez aos 19, quando Procópio Ferreira montou "Pé-de-Cabra" (1942), que foi sua primeira obra censurada.

Socialista até o fim da vida, filiado ao Partido Comunista, imprimiu à sua produção um tom de crítica política e sátira social que lhe renderia fama e perseguição.

Com a decretação do AI-5 em 1968, "ficou impossível exercer qualquer atividade cultural neste país", o que o levou à TV. "Lá era o único local em que poderia trabalhar para sobreviver", disse em entrevista presente no livro de suas filhas.

Com sua entrada na Globo, em 1969, colegas comunistas acusaram-no de estar se vendendo. "Houve um certo patrulhamento, mas não de pessoas que eu respeitasse", disse no "Roda Viva".

Dias considerou que teve liberdade para criar: "Sempre escrevi sem intervenção nenhuma. Quer dizer, eu podia ser um som dissonante dentro da Globo, como era 'O Bem-Amado', que passava alguma crítica ao regime."

Usou o espaço que teve para revolucionar a teledramaturgia, impondo a temática brasileira e o "realismo crítico" às novelas, quase todas adaptações de suas peças.

Também inaugurou a novela em cores com "O Bem-Amado" (1973), que está sendo relançada em caixa de dez DVDs (R$ 165, Globo Marcas); introduziu ainda o realismo fantástico na TV, com "Saramandaia" (1976), que vai ser refeita pela Globo como sua próxima novela das 23h.

Seu aniversário, na próxima sexta, será comemorado em evento na Associação Brasileira de Imprensa, no Rio, organizado por uma de suas filhas com a novelista Janete Clair (1925-1983), a violoncelista Denise Emmer.

"Estou bolando a homenagem há mais de um ano. Acho que meu pai está bastante esquecido, principalmente como homem de teatro."

Para ela, se seu pai estivesse vivo, "estaria à tarde assistindo ao mensalão na TV". Inconformista, encontraria material farto no julgamento. "E faria uma paródia da situação política atual, com bastante imaginação."

Fonte: Folha

Nenhum comentário:

Postar um comentário