sábado, 1 de dezembro de 2012

Excesso de personagens prejudica "Salve Jorge"


Assistir à novela das nove, por incrível que pareça, se tornou um desafio intelectual. Como num complexo jogo da memória, o espectador dedicado tem que associar nome e imagem de nada menos do que 84 personagens, distribuídos por oito núcleos, se quiser acompanhar Salve Jorge, no ar há três semanas. O número, que não inclui participações breves de atores, já garante à trama o título de maior elenco da faixa nos últimos 12 anos. Sua antecessora, Avenida Brasil, tinha muito menos, modestos 51 personagens. Característica inerente aos folhetins de Gloria Perez, a superlotação é uma tática da autora para testar a receptividade e moldar a história de acordo com o gosto do público, apagando e destacando personagens ao longo do folhetim. Mas é, também, um risco que Salve Jorge tem provado não ser nada desprezível. O excesso de núcleos e histórias paralelas causa uma dispersão capaz de cansar o espectador e comprometer a audiência da trama, que já chegou a marcar 26 pontos no Ibope na Grande São Paulo, índice raso para o horário das nove (o ideal, para a Globo, são 40 pontos).

Oficialmente, a Globo culpa a propaganda eleitoral e o horário de verão pelo mau resultado das primeiras semanas da novela. Mas eles não deveriam ser sentidos na terceira semana da trama – afinal, o espectador se acostumou ao novo horário e a eleição já passou. E essa foi uma dura semana para Salve Jorge. A novela começou com 32 pontos na segunda-feira, dia em que iria ao ar a cena – aliás cortada – do estupro de Jéssica, personagem de Carolina Dieckmann. Na terça, caiu para 31. Na quarta, nova queda: 29 pontos. “Muita gente atrapalha", diz José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni,  ex-todo-poderoso da Rede Globo. "Elencos grandes impedem que o espectador entenda a trama e se interesse pela novela.” Boni sugere um teto baixo para o número de personagens: 30.

É claro que o número de personagens não é o único fator responsável pela audiência de uma novela. Há folhetins bastante povoados que vão bem no Ibope, caso da mediana Fina Estampa, que dava para o gasto em termos de qualidade e audiência, e também novelas com pouca gente que naufragam, como a atual Guerra dos Sexos, na casa dos 23 pontos. Esses são, contudo, casos menos frequentes que podem ser explicados pelo interesse que as tramas despertam no espectador e pelo carisma dos personagens principais. Mas um elenco mais enxuto de personagens e de tramas pode garantir uma agilidade maior ao texto, como aconteceu com Avenida Brasil, que também contava com um tema clássico (vingança) e personagens carismáticos (mesmo a vilã Carminha caiu no gosto popular).

De fato, manobrar um elenco pesado como o de Salve Jorge impede reviravoltas como as vistas na trama eletrizante de João Emanuel Carneiro, que parece ter deixado o espectador mal acostumado. “Saímos de uma novela com pique narrativo para o estilo Gloria Perez, que, comparativamente, é lento. E que precisa começar devagar para apresentar ao público a cultura exótica da vez, em cenas mais descritivas do que ativas”, diz Maria Ataíde Malcher, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Pará e doutora em teledramaturgia pela USP.

Essa vagarosidade descritiva também ajuda a explicar a dificuldade encontrada por Salve Jorge para emplacar no Ibope. Gloria Perez faz questão de ser didática, apresentando os costumes do país distante que escolheu retratar. Em Salve Jorge, ilustres desconhecidos do público explicam a origem dos banhos turcos e os rituais seguidos no ambiente doméstico da Turquia. A dedicação em transportar a audiência para as margens do Estreito de Bósforo dificulta a liga com os espectadores, que já estão confusos com a miríade de personagens oferecidos, em núcleos que vão da Turquia ao Complexo do Alemão, passando por Madri, onde uma russa, Irina (Vera Fischer), comanda um globalizado bordel de garotas brasileiras.

“Os núcleos estrangeiros repetem expressões numa língua que é esquisita para os brasileiros. É preciso tempo para as frases caírem na boca do povo e, até lá, as cenas causam estranhamento”, diz Maria Immacolata Vassallo de Lopes, professora titular do Centro de Estudos da Telenovela da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Segundo Maria Immacolata, esses núcleos contribuem para o prolongamento do chamado período de luto, termo usado para determinar a transição de uma novela para outra.

Fonte: Veja

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