“Você vai cair dura quando souber quem é a
chefe!”
Esta foi a última fala de Raquel (Ana Beatriz
Nogueira) antes de cair dura com a injeção de veneno letal que a vilã Lívia
Marine (Cláudia Raia) lhe aplicou no capítulo desta segunda-feira (19/03) de
“Salve Jorge”.
Sem conseguir falar com a delegada Helô
(Giovanna Antonelli), por causa do sinal do celular, Raquel entra no elevador
(oi?). Na sequência, Lívia, que está deixando o hotel, a encontra no elevador,
saca sua injeção com “veneno letal” e faz uma nova vítima. Claro, a vilã nem
está preocupada com câmeras de segurança, afinal, “ela tem cúmplices no hotel”
– como justificou Glória Perez no Twitter depois que a cena foi ao ar.
Coerência para quê, quando se pode dar qualquer desculpa para explicar um
roteiro mal costurado.
Santa Clara – a padroeira da televisão – deve
ter chorado sangue. Diante de tantas críticas acerca de seu roteiro
estapafúrdio, a autora desabafou que era preciso “voar” em sua história. Sim,
novela é novela. O brasileiro está acostumado às fantasias de nossos folhetins.
Mas é necessário um mínimo de coerência para embarcar em uma história que tem a
pretensão de tratar de um tema tão real e importante como o tráfico de humanos.
Glória Perez – que já foi chamada de
“herdeira de Janete Clair” – adora entrechos absurdos. A novela “Carmem” (TV
Manchete, 1987-1988) ficou famosa pela cena em que uma mulher deu seis tiros à
queima roupa no marido, a menos de um metro de distância, e errou todos! Um
exemplo mais recente: Sol, a personagem de Deborah Secco em “América” (2005),
escondeu-se dentro de uma caixa de papelão para fugir da imigração americana, e
foi parar no apartamento de Ed (Caco Ciocler), que se apaixonou
instantaneamente pela moça assim que ela saiu da caixa (parece que a pessoa
escondida na caixa de papelão foi inspirada em um fato real).
Só para lembrar: Janete Clair também foi
muito criticada pelos seus roteiros fantasiosos demais, tanto que ela entendeu
a urgência em mudar seu estilo, a partir de “Pecado Capital” (1975-1976).
Vilões caricatos (que parecem saídos de um
filme de 007 ou de um desenho animado da Disney), situações bizarras, furos de
roteiro, entrechos que subestimam a inteligência do telespectador, Morena
versão cabelo liso, Morena versão cabelo encaracolado. Fica muito difícil
embarcar no balão de “Salve Jorge” e “voar com a novela”, como suplica a
autora, quando ela cria uma fantasia descabida no desenvolvimento de um tema
realista que merecia um tratamento mais cuidadoso.
Dias Gomes era mestre na realidade disfarçada
de fantasia, em novelas como “O Bem Amado”, “Saramandaia” e “Roque Santeiro”.
“Que Rei Sou Eu?” (de Cassiano Gabus Mendes) é outro exemplo. O contrário – a fantasia disfarçada de
realidade – também pode agradar, caso de “Avenida Brasil”. Também o realismo
pelo realismo, como em “Vale Tudo” e o naturalismo das novelas de Manoel
Carlos. Ou a fantasia pela fantasia, sem pretensões realísticas, como em
algumas novelas de Aguinaldo Silva (inclusive “Fina Estampa”), ou a fantasiosa
“Cordel Encantado”.
A morte de Raquel poderia lembrar uma cena do
filme “Vestida para Matar” (de Brian de Palma, 1980), em que uma mulher é morta
a facadas no elevador (como bem lembrou @joaolimajr pelo Twitter). Mas o máximo
que conseguiu foi remeter à “pegadinha” da menina fantasma no elevador, do SBT.
E ainda fez sentir saudades do pendrive da Nina.
Raquel poderia ter morrido de uma forma mais
simples e mais coerente. Mas a autora preferiu ampliar a realidade,
justificando que sim, câmeras de segurança falham. Optou pela situação surreal,
a que chama a atenção, a que causa burburinho. Afinal, a audiência de “Salve
Jorge” não anda lá essas coisas e repercussão é sempre bom… Agora, se a
repercussão é negativa ou positiva, essa já é outra história. De qualquer
forma, o estratagema funcionou na noite fria de São Paulo: 39 pontos no Ibope.
Fonte: Nilson Xavier, do UOL
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