quarta-feira, 20 de março de 2013

Salve Jorge” derrapa na coerência


“Você vai cair dura quando souber quem é a chefe!”

Esta foi a última fala de Raquel (Ana Beatriz Nogueira) antes de cair dura com a injeção de veneno letal que a vilã Lívia Marine (Cláudia Raia) lhe aplicou no capítulo desta segunda-feira (19/03) de “Salve Jorge”.

Sem conseguir falar com a delegada Helô (Giovanna Antonelli), por causa do sinal do celular, Raquel entra no elevador (oi?). Na sequência, Lívia, que está deixando o hotel, a encontra no elevador, saca sua injeção com “veneno letal” e faz uma nova vítima. Claro, a vilã nem está preocupada com câmeras de segurança, afinal, “ela tem cúmplices no hotel” – como justificou Glória Perez no Twitter depois que a cena foi ao ar. Coerência para quê, quando se pode dar qualquer desculpa para explicar um roteiro mal costurado.

Santa Clara – a padroeira da televisão – deve ter chorado sangue. Diante de tantas críticas acerca de seu roteiro estapafúrdio, a autora desabafou que era preciso “voar” em sua história. Sim, novela é novela. O brasileiro está acostumado às fantasias de nossos folhetins. Mas é necessário um mínimo de coerência para embarcar em uma história que tem a pretensão de tratar de um tema tão real e importante como o tráfico de humanos.

Glória Perez – que já foi chamada de “herdeira de Janete Clair” – adora entrechos absurdos. A novela “Carmem” (TV Manchete, 1987-1988) ficou famosa pela cena em que uma mulher deu seis tiros à queima roupa no marido, a menos de um metro de distância, e errou todos! Um exemplo mais recente: Sol, a personagem de Deborah Secco em “América” (2005), escondeu-se dentro de uma caixa de papelão para fugir da imigração americana, e foi parar no apartamento de Ed (Caco Ciocler), que se apaixonou instantaneamente pela moça assim que ela saiu da caixa (parece que a pessoa escondida na caixa de papelão foi inspirada em um fato real).

Só para lembrar: Janete Clair também foi muito criticada pelos seus roteiros fantasiosos demais, tanto que ela entendeu a urgência em mudar seu estilo, a partir de “Pecado Capital” (1975-1976).

Vilões caricatos (que parecem saídos de um filme de 007 ou de um desenho animado da Disney), situações bizarras, furos de roteiro, entrechos que subestimam a inteligência do telespectador, Morena versão cabelo liso, Morena versão cabelo encaracolado. Fica muito difícil embarcar no balão de “Salve Jorge” e “voar com a novela”, como suplica a autora, quando ela cria uma fantasia descabida no desenvolvimento de um tema realista que merecia um tratamento mais cuidadoso.

Dias Gomes era mestre na realidade disfarçada de fantasia, em novelas como “O Bem Amado”, “Saramandaia” e “Roque Santeiro”. “Que Rei Sou Eu?” (de Cassiano Gabus Mendes) é outro exemplo.  O contrário – a fantasia disfarçada de realidade – também pode agradar, caso de “Avenida Brasil”. Também o realismo pelo realismo, como em “Vale Tudo” e o naturalismo das novelas de Manoel Carlos. Ou a fantasia pela fantasia, sem pretensões realísticas, como em algumas novelas de Aguinaldo Silva (inclusive “Fina Estampa”), ou a fantasiosa “Cordel Encantado”.

A morte de Raquel poderia lembrar uma cena do filme “Vestida para Matar” (de Brian de Palma, 1980), em que uma mulher é morta a facadas no elevador (como bem lembrou @joaolimajr pelo Twitter). Mas o máximo que conseguiu foi remeter à “pegadinha” da menina fantasma no elevador, do SBT. E ainda fez sentir saudades do pendrive da Nina.

Raquel poderia ter morrido de uma forma mais simples e mais coerente. Mas a autora preferiu ampliar a realidade, justificando que sim, câmeras de segurança falham. Optou pela situação surreal, a que chama a atenção, a que causa burburinho. Afinal, a audiência de “Salve Jorge” não anda lá essas coisas e repercussão é sempre bom… Agora, se a repercussão é negativa ou positiva, essa já é outra história. De qualquer forma, o estratagema funcionou na noite fria de São Paulo: 39 pontos no Ibope.

Fonte: Nilson Xavier, do UOL

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