sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Excesso de realismo pode ter derrubado novelas das 9


Nesta quinta-feira (24/09), a Globo deu mais uma cartada na tentativa de tentar estancar a crise que tomou conta de seu prime-time (entenda a novela das 9). Frente à baixa aceitação de “A Regra do Jogo” (lançada há quase um mês) – refletida no Ibope aquém do esperado, que a faz perder para a concorrente “Os Dez Mandamentos”, da Record -, Silvio de Abreu, o atual todo-poderoso da dramaturgia da emissora carioca, derrubou a atração substituta: não será mais a novela que vinha sendo escrita pela dupla Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari (que tinha o título provisório de “Sagrada Família”).

Silvio avaliou que essa próxima atração, com uma temática realista envolvendo uma família com tradição política, não caberia bem em pleno período de eleições, no ano que vem. Cogita-se que a mais forte candidata seja uma trama rural que Benedito Ruy Barbosa tem reservada há anos: “Velho Chico”, ambientada às margens do Rio São Francisco.

Muito se tem especulado sobre os motivos que levam o público a ainda não ter embarcado na história de João Emanuel Carneiro. Avaliada como uma boa trama, com potencial, bem escrita, em uma produção e elenco de primeira, “A Regra do Jogo” parece seguir a mesma linha da novela anterior, “Babilônia”, que naufragou na audiência, teve sua trama modificada na tentativa de ajustar-se ao gosto do público, e terminou desfigurada e com baixo Ibope.

As duas são histórias realistas, que se passam no Rio de Janeiro, tendo comunidades como um dos cenários principais, uma boa dose de violência e tramas fortes. Mas parece que o público não anda muito interessado em realismo e violência na televisão, neste horário, uma vez que a realidade já dói demais nos noticiários, diante da forte crise econômica e política pela qual passamos. Uma das maiores reclamações é a repetição de ambientação (favela + Rio de Janeiro) e temáticas (realidade + violência urbana).

Isso é sinalizado através da boa recepção de “Os Dez Mandamentos”, uma obra com forte carga fantasiosa, de época, muito distante da realidade do brasileiro contemporâneo. Em menor escala, também é percebido através da boa recepção da novela das seis da Globo, “Além do Tempo”, um folhetim rasgado, de época, com um “toque sobrenatural”. Ainda: o sucesso recente da reprise vespertina de “O Rei do Gado”, de Benedito Ruy Barbosa, novela de temática rural – ainda que levantasse questões sociais pertinentes, como a reforma agrária.

Faz muito tempo que a Globo não exibe um respiro de surrealismo em seu principal horário de novelas. Na década de 1990, foram 10 novelas das oito que se passavam no Rio de Janeiro ou São Paulo contemporâneos, contra 7 produções que fugiam desse universo realista: de época (“Terra Nostra”, de Benedito), de ambientação rural (“Renascer” e “O Rei do Gado”, de Benedito), ou em cidades fictícias no interior com surrealismo (“O Fim do Mundo” de Dias Gomes, e “Pedra Sobre Pedra”, “Fera Ferida” e “A Indomada”, de Aguinaldo Silva).

Com a decisão de Aguinaldo de não mais escrever histórias interioranas, e os problemas de saúde de Benedito, esse número caiu para 2 na década seguinte: “Porto dos Milagres”, de Aguinaldo, e “Esperança”, de Benedito. Glória Perez ainda contribuiu com suas histórias com boa dose de fantasia (ainda que calcadas no realismo) em países exóticos (“O Clone” e “Caminho das Índias”). Em resumo, as últimas vezes que a fuga da realidade esteve no horário das nove da Globo foram em “Porto dos Milagres”, em 2001, e em “Esperança”, em 2002. Com Glória, “Caminho das Índias”, em 2009, e, mais recentemente, “Salve Jorge”, em 2012-2013.

A fuga da realidade não garante o sucesso: a baixa repercussão de “Esperança”, uma história de época, em 2002, afastou Benedito (com problemas de saúde) do horário nobre por mais de dez anos. Agora é a chance de termos novamente seu texto sensível e escapista que no passado já abalou a hegemonia da Globo: lembra do Velho do Rio e da moça que virava onça em “Pantanal”, da TV Manchete, em 1990? Afinal, o escapismo da realidade é um dos alicerces do folhetim.

Fonte: UOL

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